
– Zungueira te sustenta, diz uma.
– Mulher kunanga é prejudicial, denuncia a segunda.
– É muito burro; não sabe que, quando sai, a mulher dele entra com outro homem em casa! – condena a terceira, trazendo à luz o motivo da conversa.
Uma delas leva às costas um bebé, que, tal como o observador, ignora positivamente se o passo semi-apressado é para findar apenas na paragem de Hiaces e autocarros, a dezena de metros, ou se a meta provisória é a estação de Comboio, a um quilómetro. Seja como for, o que é certo mesmo é que o mediático "Afrobasket" passa bem a leste das suas preocupações. Também, a lei da sobrevivência na city é clara: cabrito come papéis, pessoa come dinheiro. “Zungueira ou lavador de carros, não é de se ter vergonha”, já cantavam os outros.
Já agora com o fio da conversa em posse, o observador, que não passa de simples figurante nesta cena flagrante da vida real, segue discreto os passos das jovens senhoras, para perceber ainda melhor como pensam as profissionais da zunga. A curiosidade reside não tanto em “quem é ele?”, mas principalmente no “que se vende?”. Não levavam à cabeça baldes brancos, logo não podiam ser vendedoras de yogurte caseiro.
Vão na casa dos 24 anos, isso dependendo do ângulo de observação. O timbre de voz denuncia a juventude por detrás da velhice aparente. Na forma de vestir se via revelada a coabitação entre a idade cronológica e a responsabilidade social no contexto peri-urbano. Ou seja, muitas vezes, não se é adulto só pelo número de vezes que se “viveu” o natal, mas, isso sim, a partir de quando se deu à luz – não importa se em casa dos pais ou se em “beco” próprio.
– Saio de manhã p’ra fazer o meu dinheiro. No fim do mês ainda posso apresentar uma quantia boa na minha pasta – insiste a primeira.
– Ele não sabe. Pensa que zungueira é mulher qualquer – diz a segunda.
– Mulher é aquela que não se deixa!
Lá vão os tempos em que o ganha-pão era tarefa só dos homens, quando ninguém engravidava antes de formar seu próprio lar. Mas a coisa mudou como, então? Uns acusam as mulheres de facilitar. Mas outros acham que ter muitos filhos é uma questão de “patriotismo”. Convém explicar: se Angola tem mais mulheres do que homens, é “ético” os “poucos” que sobram fazerem a vez dos demais tombados pela liberdade histórica. É tempo de união e não de ser cototó... ora essa, pá!
E a sobrevivência tornou-se questão de equilíbrio (inclinado) de género, onde a mulher carrega tudo: carrega a criança às costas, carrega o sol na testa quando sai e regressa com ele “nos cornos” à noitinha, trazendo os mantimentos para o dia – porque para amanhã, vê-se amanhã! Enfrenta ainda a ingratidão do marido, que já está com os copos.
E carrega as lamentações das crianças por falta de caderno e lanche, as quais tem que aturar até à hora da novela; depois vem a ordem do marido, que “já quer fazer” e não se lembra que a esposa não teve tempo sequer de tomar um banho e preparar a mente para mais um suor sagrado, muito menos se está no período fértil ou não. “Em casa manda ela e nela mando eu”, pensará o machista de gema, que mesmo com a 4ª classe não aprendeu a mudar de mentalidade.
Conhecem a cidade não pelos monumentos, mas em função dos clientes que se familiarizaram com os seus pregões e produtos. São para o turista uma espécie de paisagem. Levam os supermercados ao portão do habitante preguiçoso, conhecendo pela necessidade a cidade de lés-a-lés. São o rosto visível do fenómeno que lançou a mulher para as ruas dos centros urbanos, no seu dever de produzir para sustentar a sociedade – a mesma que a condenará amanhã por não ter ido à escola e não participar na vida política.
Gociante Patissa (gociantepatissa@hotmail.com)
www.angodebates.blogspot.com
1 comentário:
as nossas Zungueiras,
mais um dia nasce e mais uma vez aqui vai aquela mulher que forçaram-na a abdicar dos direitos de uma mãe vaidosa, e refugio-se no sacrificio de cada dia. essa mulher tém como comparsa o sol e a poeira.
HAJA PAZ
www.elektra.blog.com
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